sexta-feira, março 23, 2007

Cruel e humano


BAGDÁ - Saddam Hussein regava plantas no jardim da prisão, guardava pão para dar aos pássaros e usava café e charutos para manter sua pressão sanguínea sob controle, segundo o enfermeiro militar que cuidou dele na prisão em Bagdá.

Em entrevista dada ao jornal americano St. Louis Post Dispatch, o sargento Robert Ellis, de 56 anos, deu detalhes sobre os últimos meses de vida do ex-presidente iraquiano na prisão - que era chamado de "Victor" entre os militares no campo - situada na região norte da capital do Iraque.

Ellis foi o responsável pela saúde de Saddam entre 2004 e 2005. Segundo o enfermeiro, Saddam escrevia poesias, lembrava de quando contava histórias para suas filhas antes de dormir e guardava pão para poder alimentar os pássaros.

"Meu trabalho era mantê-lo vivo e com saúde, para que eles pudessem matá-lo num momento posterior", afirmou o sargento.

O enfermeiro contou que Saddam ficava numa cela de cerca de quatro metros quadrados em Camp Cropper, onde outros prisioneiros importantes também estão presos. Em sua cela, ele tinha à sua disposição uma cama, duas cadeiras plásticas, um manto para orações e duas bacias para se lavar. Sua saúde era avaliada duas vezes ao dia para que os oficiais pudessem acompanhar a situação.

Saddam dizia a Ellis que charutos e café ajudavam a manter a sua pressão sanguínea baixa e, segundo o enfermeiro, "parecia funcionar".

Greve de fome

Num determinado momento, Saddam Hussein começou uma greve de fome, recusando-se a comer a comida que os soldados colocavam embaixo da porta. Quando eles passaram a abrir a porta para levar o alimento ao ex-líder iraquiano, ele voltou a comer. "Ele se recusava a ser alimentado como um leão", disse Ellis.

Em suas curtas saídas da cela, Saddam Hussein regava plantas e alimentava os pássaros com pão que ele guardava das refeições. "Ele contava que tinha sido agricultor quando era jovem e que jamais tinha esquecido de onde viera", afirmou o enfermeiro, que também revelou que "raramente" ele se queixava de alguma coisa e quando o fazia, normalmente era legítimo.

Quando o sargento americano disse a Saddam que estava voltando aos Estados Unidos porque seu irmão estava morrendo, o ex-presidente iraquiano lhe deu um abraço e disse que ele [Saddam] seria o seu irmão.

Segundo o enfermeiro, o ex-líder nunca tocou no assunto de seu período no poder. Contudo, um dia Ellis disse que foi vê-lo na cela e Saddam o questionou sobre quais razões que tinham levado os Estados Unidos a invadir o país, argumentando que o Iraque tinha leis justas e que os inspetores não tinham encontrado armas de destruição em massa.

"Eu respondi: 'Política é assim. Nós, soldados, nunca nos metemos com isso", teria respondido Ellis.

(Estadão - 01 de janeiro de 2007)

***

Até mesmo o mais cruel estereótipo tem seu lado humano e um lado humano um tanto quanto sensível, esquecido por muitos. Qualidades escassas, encontradas em pessoas tipicamente queridas.

É um bom indício de que para tudo na vida temos diversas óticas, cada qual com suas importâncias e inutilidades. Quem diria que o ditador sanguinário, assassino como dizem por aí , teria esta face de bom moço? Um senhor que poderia ser um amável avô que cuida dos pássaros e rega as plantas? Além de escrever poesias?

Até onde isto é verdade eu não sei, tampouco importa este mérito. O que vale é a mensagem de que há bondade mesmo na mais distante controvérsia sobre o assunto.

3 comentários:

Lilian Barbosa disse...

Aí está, Emilio. É comum julgar os outros sem sequer entender o que está por trás de seus atos. Não nos damos conta do que se passa na mente das pessoas e acabamos por crucificá-las. É certo que ninguém é tão mau a ponto de não ter o mínimo de bondade, assim como ninguém é tão bom a ponto de não possuir um resquício de maldade. Eis a dialética do Yin Yang, que tem uma aplicação mais do que adequada em nosso dia-a-dia.
Analisando por essa ótica, vale questionar: por quê somos extremamente vingativos sem avaliar os outros fatores em relação àqueles que estão sendo punidos? No caso de Saddam Hussein não se pode negar a influência da mídia com verdades impostas utilizando a manipulação ideológica. Isso é fato. O enfoque da mídia sempre foi de Hussein como um carrasco, por isso a surpresa com o relato de Ellis. Sempre se imaginou um ditador incapaz de ter sentimentos, e o que vimos foi que o “monstro” é humano. Isso se aplica também ao caso do ônibus 174 (se tiver oportunidade, veja o documentário). O seqüestrador tinha o seu lado de bondade, mas se revoltou por ser vítima da própria sociedade durante a sua vida inteira. Não estou querendo eximir a culpa de ninguém, mas ressalto que se faz necessário um senso de justiça sem se deixar influenciar pelas verdades de alguns. Antes de condenar alguém, procurar ver além. Ver esse alguém como ser humano, passível tanto de erros quanto de acertos.
Quanto ao que é certo ou errado, é um conceito relativamente abstrato. O correto para alguns pode não ser para outros. Mas isso já é uma outra discussão... rs.

Gabriel Galvão disse...

Muito boa reflexão. Gosto da sua maneira de raciocinar.

Esbarrei no seu blog através do blog de Jean! Eu trabalhei aí com eles e numa sala ao lado da sua.

Se não sabe eu sou esse indivíduo aqui:

http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=340894264181117362

Se quiser dá uma olhada no meu blog. Alguns textos ora filosóficos, ora 'de opinião'.

Everton Felipe disse...

Emilio!

recebi informações que você estava falando da lilian hussein!
to brincando... hehehe

Pois é.. vale a pena refletir se realmente a morte de Sadan Hussein foi a melhor saída. Particularmente sou contra a pena de morte, principalmente nesse caso em que não foi levado em conta as razões de suas ações, as questões foram bem mais políticas...
Longe de mim defender Saddan Hussein, mas se ele não fosse morto, certamente estaria sofrendo bem mais na prisão agora..

Não tenho dúvidas que ele tinha sim um lado bom, se era como a reportagem descreveu, nunca saberemos. Mas acredito que até a pessoa mais ruim tem um lado bom isso depende muito da ocasião.